Wednesday 18 September 2013

Os loucos e o livro que morreu virgem

O livro esquecido no assento de um eléctrico lotado,
Um livro que ocupa, mas não preenche
E que ninguém quis abrir com medo das palavras isoladas,
Com receio de perder os preconceitos e já não saber o caminho para casa.

O livro mirado de esguelha, como a mulher que conquista em silêncio,
Que só é tocado pela sede de protagonismo de quem logo o pousa
Ou pela criança, ainda imberbe nas andanças do extremismo do socialmente aceite,
Que grita um título inócuo, mas latejante em todas as mentes.

Como um qualquer livro onde o poeta Qabbani Nizar apenas vê esconderijos de bombas
E de onde Fernando Pessoa fugiu em busca da liberdade,
O livro do eléctrico acaba no chão, pisado pela multidão
E morre vencido contra tantos outros que se vão aquecendo nas prateleiras.

Assim são os loucos,
Que fogem das bibliotecas e vão para a rua ler os gritos escondidos nas faces,
Que quando encetam conversas com desconhecidos logo lhes recordam que são loucos
E que saltam de um barco sobrelotado quando ainda não se avista terra.

Instáveis, perigosos, não se preocupam em precaver o Inverno
Sabem que vão morrer no Verão, com o abraço do calor real ou imaginado
E buscam incessantemente a paragem do tempo
O fôlego perdido que qualquer ilusão de segurança não pode comprar.

Põem a diplomacia no mesmo local onde Álvaro de Campos deixou a aprendizagem
Amiúde arrependem-se, choram e até se refugiam num qualquer axioma
Mas logo correm atrás do pássaro que lhe sussurrou “alegria” durante o sono
Esquecendo que o mundo é feito de prisões em forma de pássaros.

Assim são os loucos, aqueles de quem não reza a história.

Nota: Escrevi este texto quando me demiti do meu emprego em 2012.

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