Pensava que ser humilde é
reconhecer os próprios erros e defeitos e não ostentar o que se tem. Mas
esse reconhecimento é pura honestidade connosco e com os outros, bem
como a ostentação. Se trabalhei anos para ter um apartamento com uma
decoração que expõe o meu amor pela arte e mostro-o aos meus amigos,
¿estou a ser arrogante? ¿Ou estou a dar um exemplo de
perseguição de sonhos e a partilhar o meu gosto pela arte, esperando que
eles usufruam igualmente dela?
¿Como posso esconder os talentos que me
foram dados, apenas porque a sociedade – feita de pessoas com outros talentos – lhe atribuiu um sentido negativo ou soberbo? As
ditaduras criam seres iguais e extremamente limitados em termos de
originalidade e nós alimentamos essas ditaduras sempre que criticamos o
diferente simplesmente por não ser como nós. Ou pior, por ousar expor
essa diferença, mesmo quando ela pode ser-nos útil, quando muitas vezes somos movidos pelo receio de explorar os nossos dons.
¿Até que ponto a sua
humildade foi criada por si ou pela sociedade? ¿Até que ponto a sua
humildade o faz recusar elogios, quando no fundo sabe que são
merecidos? ¿Está a ser justo consigo e com o dom que lhe foi dado,
quando rejeita ser elogiado e diminui o valor da obra que fez e
para a qual contribuiu imensa gente desde que você nasceu? ¿Porventura,
está a fazer da humildade que a sociedade lhe impõe uma ingratidão?
No
outro dia, enquanto fazia jogging em Jacarta, não consegui conter as
lágrimas ao ver um coxo a empurrar um enorme carro do lixo. Falamos
idiomas diferentes, mas a sua alegria e gratidão foram inspiradoras para
mim. Senti vergonha pela pena de mim mesma, que não é mais do que
“idolatria”, como diz a Bíblia, e segui caminho. Não liguei à voz
interior que me dizia para tentar ajudá-lo quando pudesse e convenci-me
de que a compaixão era suficiente.
Dias depois, vi um cego a tentar
vender snacks caminhando no meio dos carros em plena avenida.
Simplesmente me contentei em ter nascido num país com um sistema de Segurança
Social que protege os menos afortunados e segui caminho, mais uma vez, na
minha altivez de sortuda.
Na mesma semana, cai num rio
malcheiroso e desloquei um osso. Sem conseguir andar e sem direito a sistema de
Segurança Social, pedi uma massagem e rezei por um milagre, mas não era
suposto obtê-lo.
Como sou uma afortunada, acabei por tratar-me num
hospital acreditado e aprendi a lição de que a verdadeira humildade é
colocar-me sempre abaixo de todos os outros seres. Afinal, nunca sabemos
quando tudo muda. A morte pode chegar de forma súbita. Acreditar que
somos sortudos por termos nascido com mais oportunidades e que Deus nos
pede para fazermos coisas mais importantes do que simplesmente empurrar
um carro do lixo é arrogância. Quando mais possibilidades nos são
oferecidas, mais responsabilidade temos para assumir.
Porque por mais
solidário que o seu ego lhe faça parecer, vai sempre arranjar desculpas
ou defender-se dizendo que a partilha de um post nas redes sociais munido de
solidariedade é suficiente. Um dia um amigo disse-me que só se pode dar o que se tem. Outrossim, só quando realmente sentir – por vontade
própria ou presente, como no meu caso – o que sente o outro, conseguirá
apoiá-lo. É daqui que surge o grande propósito do Ramadão: as pessoas
alimentarem a sua compaixão por aqueles que não têm água e alimento.
¡Por
isso, eu hoje estou grata por ter algo para partilhar! E escrevo não
para si, mas para que um dia tenha a sorte de me confortar com estas
palavras.
Contudo, se me permite, ¿está consciente de quão grande é a sua responsabilidade? ¿Até onde vai a sua humildade? Ou melhor, até onde
vai a sua busca de felicidade? Talvez encontre algumas respostas neste
extraordinário vídeo.
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